Mácula - Lidiane Santana - Clube de Autores - 2011
Sobre o livro: "Mácula" - Lidiane Santana - Clube de Autores - 2011
Quando  fez o prefácio de meu segundo livro, a amiga e poeta Katsuko Shishido  Pastore, colocou-se a respeito da coragem de se lançar um livro de  poemas, em meio a aparentemente tantos livros publicados, por que mais  um entre muitos? Já nos idos de 1949, com as cinzas ainda quentes da  guerra e seus horrores, Theodor Adorno nos alerta se é possível fazer o  poema em tempo de penúria. Se depois dos campos de concentração e  extermínio era plausível ainda o poema. 
E  digo: não só é possível, como necessário. Publicar um livro de poesia,  apesar de tudo por vezes estar contra, é um ato de coragem. A poesia não  é salvacionista no sentido de regenerar o tecido morto da sensibilidade  de todas as pessoas. Mas ao fazê-lo, o poema, já em si um ato de  rebeldia, criamos um rito mágico de anunciação do novo. Segundo a  kabala, o verbo cria o mundo, mesmo em muitos mitos de criação, é a  palavra a força geradora, é o ato criador dos deuses. Quando vejo uma  poeta mulher compondo seus versos, fico muito mais feliz, pois é a fêmea  a geradora motriz de mundos. É feminino o processo de criação do poema,  algo como uma gestação de palavras, para depois em um parto dar-lhe  forma no papel. 
O  livro Mácula tem um sutil movimento vertical, o movimento de queda para  o fundo do abismo, rememora os poetas do século XIX e sua tristeza  filosófica. Trabalha com poemas curtos, dando uma certa velocidade  vertiginosa à queda para o fundo, para o escuro, para um certo  desalento. O que é ótimo. Vivemos em uma sociedade em que a felicidade  não é mais uma conquista, mas uma obrigação pesada. Ao dar vazão para  sua tristeza íntima, Lidiane Santana, se torna porta voz involuntária  dos que querem seu direito à tristeza, ao lúgubre, aos escuros, ao invés  deste luminoso mundo novo em que estacionamos. Nas palavras da própria  escritora, um momento para  tomar um "chá com fantasmas". 
Convido  ao leitor, para ter um cuidado especial com as entrelinhas, a urdidura  do tecido, o fio solto,  que a cultura árabe deixa em seus tapetes, para  provar que a onisciência é reservada a deus. O fio de Ariadne a  desvelar os labirintos.  Nestes poemas não encontrarão contos de fada  açucarados, ou lições de moral, bravatas,  ou algo muito fácil de  digerir.  É o que não está escrito que intriga. É na incompletude que  somos todos humanos, e no entanto é na poesia que não nos promete nada,  que talvez encontremos nosso verdadeiro eu: o espelho de Narciso e a  palma de seu martírio pelo belo. 
É necessário que nos enamoremos do abismo, até para poder domesticá-lo em nós. 
Edson Bueno de Camargo
poeta, menestrel de impossibilidades

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